Os sabores do Magic : Uma análise dos meus flavor texts favoritos
Magic: The Gathering possui muitos aspectos fascinantes dentro de si, o jogo além de complexo, divertido e extremamente competitivo, também traz consigo histórias riquíssimas e direção de arte e escrita que não perdem para nenhum escritor atual de fantasia. Tendo isso em mente, gostaria de falar sobre os Flavor Texts. Aqueles textinhos que ficam embaixo das habilidades das cartas, que não tem nenhuma influência sobre o jogo e como ele é jogado, mas que para jogadores que gostam de boas frases, ou de construção dos vários planos de MtG, são um prato cheio.
No artigo de hoje eu vou falar de forma quase que aleatória sobre algumas cartas que gosto, e analisar como e porque gosto dos textos delas, assim como o flavor se relaciona com a carta em si, e o próprio universo de Magic.
Rancor
Vou começar logo com o meu flavor text favorito de todos, Rancor. A razão pela qual gosto tanto dessa carta é que na minha humilde opinião ela é o exemplo perfeito da junção de forma e função, de flavor e de mecânica de jogo.
Uma carta que é forte, mas não é desbalanceada, que viu jogo em todos os formatos onde é permitida (a exceção sendo Commander, mas tenho certeza que existem decks com ela também), e possui um flavor que se une perfeitamente com a mecânica da carta: ‘’Hatred outlives the hateful’’. Que em tradução livre seria algo como ‘’O ódio sobrevive aos que odeiam’’.
Vendo a ótica lírica da questão, o flavor é bem profundo, no sentido de que o ciclo do ódio realmente nunca acaba caso as pessoas continuem alimentando mais e mais rancor. Ótimos exemplos disso sendo brigas entre famílias (ou até mesmo na própria família) que duram gerações, e que depois de um tempo as famílias não tem nem mais certeza de como começou todo esse ciclo odioso. Tudo isso realmente exemplifica como o ódio sobrevive aqueles que odeiam.
E olhando para a mecânica da carta, além da aura que custa apenas G (Curiosidade: a carta devia custar 1G, mas por um descuido do time de design ela passou custando apenas G) dar +2/0 e atropelar, o que representa a natureza destrutiva da motivação vinda do ódio, a aura retorna para a mão do dono sempre que bater no cemitério, dando um fechamento perfeito para o tema de que o ódio nunca morre de fato, enquanto o jogador tiver uma criatura para encantar, o ódio nunca acabará.
Back to Basics
Seguindo a mesma linha de cartas que vejo uma união grande entre forma e função, temos Back to Basics. Uma carta que descaradamente taxa os ricos (que no caso os ricos são os donos de lands não-básicas xD) e beneficia os pobres. Uma verdadeira máquina de matar nos formatos onde é permitida, sendo jogada extensivamente no Miracles do Legacy (deck que faz tempo que não joga muito no formato) e no Commander, onde lands não-básicas também prevalecem.
O flavor em tradução livre significa algo como: ‘’Um rei usa uma coroa enquanto o resto de nós usa chapéu, mas qual você prefere ter quando chove?’’ Uma crítica bastante mordaz aos decks complicados com bases de manas gananciosas, e que pode ser estendida à ganância no geral, no sentido de que a simplicidade é esquecida por muitas vezes em favor das coisas mais caras.
O argumento da inutilidade da coroa também é uma referência ao caráter meramente simbólico de um Rei, ou um regente no geral, no sentido de que esses seres não são necessariamente superiores por títulos, mas sim pela importância percebida que a sociedade dá para os mesmos. Onde uma coroa não possui utilidade prática, da mesma forma que um rei não possui utilidade prática, quando um chapéu, que pode ser interpretado como uma metáfora para o homem comum, que possui bem mais utilidade que um Rei.
Norin the Wary
Talvez eu goste bastante de Flavor que se junte com a carta no geral, em vez de ser uma peça de texto isolada, e para um Flavor que possui um efeito mais de comédia e bem menos sério, eu gosto bastante do ‘’Norin the Wary’’. Um verdadeiro covarde que nunca fica perto pra atacar ou ver as mágicas resolverem, uma criatura dificílima de remover, e uma verdadeira máquina de causar dano junto de cartas como Purphoros ou Impact Tremors.
Um flavor que se traduz para ‘’Eu tenho um mau pressentimento sobre isso.’’ resume perfeitamente a carta, ao menor sinal de perigo, Norin some e só volta no final do turno, e assim repete o ciclo quase que infinitamente.
A coleção em que Norin foi lançado pode ser a razão pelo design da carta, uma vez que o bloco de Time Spiral foi um bloco de intensa experimentação com o design das cartas, e uma carta como o Norin, à primeira vista, principalmente para jogadores novos, pode parecer bem ruim, mas dadas as corretas condições, pode ser uma grande ameaça difícil de ser respondida.
Goblin Grenade
Já que entramos no reino da comédia, os Goblins são reis nos flavors engraçadinhos e criativos. ‘’Não subestime as qualidades aerodinâmicas do goblin comum’’ é um flavor que faz muita gente rir até hoje, e que fala sobre a natureza descartável dos Goblins, tendo em vista que muitas cartas fazem menção à raça se matar sem querer, ou usando a burrice natural dos Goblins como a razão pela qual eles morrem tanto.
Azusa, Lost but Seeking
“Eu não tenho saudade da Floresta de Jukai. Ela não é o meu lar. O meu lar é Kamigawa, e seu povo é minha família. Onde quer que pare para descansar, estou em casa.”
Gosto bastante desse flavor e dessa carta, gosto mais do flavor do que da carta em si, apesar de mecanicamente também gostar bastante da Azusa ( 3 terrenos por turno não é um mau negócio), mas o que me pega é justamente a junção do nome com o flavor. Azusa está perdida na floresta Jukai, mas ainda sim procura o seu destino, sua casa, e mesmo sem estar na floresta, está em casa, aquela velha frase ‘’Um lar é onde se descansa o coração’’, então onde sua família está, ela está em casa. Uma verdadeira andarilha que viajou por toda Kamigawa.
Meria, Scholar of Antiquity
Um flavor text recente mas que já caiu no meu gosto por uma razão: o conflito entre as cores, e principalmente o conflito na color pie. O verde historicamente odeia artefatos e encantamentos, por serem criações não-naturais, e o verde odeia tudo que não vem da natureza.
Verde possui todas as melhores e mais eficientes remoções de encantamento e artefato, sendo uma cor que abomina totalmente a mecânica, então quando temos uma criatura verde, que além de não odiar artefatos, sinergiza diretamente com eles, é uma boa surpresa para a color pie. Gruul nunca foi uma combinação de cores que esteve ligada com artefatos além de destruí-los.
‘’Por que temer o artifício? Não é também deste mundo?’’
Uma questão de desafiar o status quo da cor em que se encontra, por que o verde precisa odiar as coisas que não são especificamente da natureza? Já que elas também fazem parte do mundo.
Wasteland
Uma staple máxima do Legacy, destruidora de manabases gananciosas, Wasteland vê jogo em todos os formatos onde é legal, sendo uma peça fundamental nas estratégias de Tempo e disrupção do oponente. Além dos aspectos e méritos competitivos da carta, Wasteland tem um flavor excelente, e como vocês já perceberam, flavor texts que se unem com a mecânica da carta são meus favoritos. ‘’A terra nada promete e cumpre sua promessa’’. A terra que promete o vazio, e cumpre sua promessa, lhe deixando com um buraco onde antes ficava um terreno não-básico.
Menção honrosa para a versão de Magic Player Rewards, que utiliza como flavor um verso bem forte do poema ‘’The Waste Land’’, do poeta estadunidense T. S. Elliot. ‘’Vou fazer-te medo com um punhado de pó’’. Que mostra aos oponentes que a Wasteland é uma força para ser temida.
Impostor of the Sixth Pride
O que me chama atenção neste flavor é o sentimentalismo presente. No sentido de que o flavor invoca um sentimento de pertencimento a um grupo, ou no caso dele, uma tribo. Morfoloides são criaturas que não possuem pensamentos, idiomas, linguagens ou aspirações, e normalmente só assumem a forma de coisas que veem. Este morfoloide em específico, no entanto, sentia um grande desejo de pertencer a algum grupo, e de se sentir em casa, e de possuir algum senso de identidade, que por natureza, é algo que falta a sua raça, já que não possuem nenhuma individualidade.
‘’A tribo era tão forte quanto seu desejo, o território deles tão vasto quanto seu isolamento. O morfoloide soube que encontrara um lar e uma forma.’’
O morfoloide após tanto se transformar, encontrou um lar e uma identidade para chamar de sua.
Live Fast // Die Young
‘’Quando tiver a chance, aproveite. Ria, cante, dance. Não deixe a noite terminar.” — “Quando a hora chegar, desapegue-se. Nada é para sempre.”
Viver à Toda e Morrer Jovem, uma história bela e trágica em dois atos. Um flavor extremamente sentimental sobre aproveitar as chances da vida, de não deixar de viver as oportunidades e de abraçar o mundo, mas também um flavor sobre aceitar quando algumas coisas inevitavelmente acabam. Lembrem-se: Nada é para sempre.
Sygg, River Cutthroat
Quando o sol se põe em Lorwynn, depois da Grande Aurora, e o mundo torna-se corrompido e cheio de escuridão, as criaturas do plano mudam e adquirem novos poderes, novas personalidades, onde existiam águas claras agora existem apenas pântanos, e onde existia vida, existe morte, ou uma versão corrompida de vida.
“Não é uma questão de merecer. É uma questão de força. O poder de ter versus o poder de tomar.”
A nova versão do anteriormente pacífico Sygg, que estava disposto a guiar outros pelo rio, agora vê o mundo somente em termos sombrios, de força, das pessoas que possuem a força e poder, e daqueles que não possuem.
Unfulfilled Desires
Sim eu gosto bastante de Flavors sentimentais, e este lê como um poema de despedida, e apesar da sua tradução não rimar (e de ficar bem melhor em inglês xD), ainda é uma peça linda que poderia compor qualquer antologia poética por aí.
‘’Como o dia da noite
Viverei minha vida longe de ti,
Te olhando pelo céu
Pois sei que não podes mudar, querida
E nem eu. ‘’
Um belo poema de despedida!
Boldwyr Intimidator
Ok, vocês me pegaram mais uma vez, eu ADORO a junção de mecânica e flavor text, e esse me agrada muito. ‘’Agora todos sabem o que você é’’ é simplesmente uma excelente maneira de explicar o que a carta faz no seu próprio flavor.
Conclusão (Pero no mucho)
Estou finalizando por enquanto este texto, mas caso você leia ele num futuro ou até mesmo leia ele novamente, não estranhe caso eu adicione mais cartas e mais flavors, porque considero este texto como um bloco de notas de flavor texts que eu acho legais. Enfim, se leu até aqui, um abraço!