Ping Pong the Animation e Haikyuu: A dicotomia “Talento x Esforço”
Ping Pong the Animation é uma animação japonesa baseada no mangá Seinen “Ping Pong” de Taiyou Matsumoto, que aborda o esporte do tênis de mesa, tem apenas 11 episódios, e é um dos melhores animes que já assisti, em poucos episódios o anime conta uma história sem pontas soltas, desenvolve bem seus personagens e tem momentos emocionantes, como toda boa obra de esporte. Mas a discussão de hoje não é só sobre Ping Pong, é sobre como que esses dois animes tratam a velha discussão de “Talento x Esforço”, Haikyuu sendo um dos meus animes favoritos, o trouxe para a comparação com meu novo querido.
“Talent is something you make bloom, instinct is something you polish” , ou para os não-iniciados em inglês, “Talento é algo que se faz florescer, instinto é algo que se refina.” Frase de Oikawa Tooru, de Haikyuu, que escolho para começar este artigo, e esta discussão sobre um dos tópicos mais abordados (quiçá o mais abordado) dos animes de esporte em geral.
(O texto contém alguns spoilers dos dois animes, estejam avisados!)
Talento: O direito divino de governar
Começando a discussão com uma comparação entre dois personagens dos dois animes, Hoshino “Peco” Yutaka e Kageyama Tobio, e suas representações como os personagens talentosos.
Peco, como prefere ser chamado, sempre foi uma criança prodígio do tênis de mesa, um brincalhão nato, que ama o esporte mais que qualquer um, extremamente talentoso e adaptativo, podendo aprender qualquer estilo em pouco tempo, joga de uma forma onde seu talento exala, é um jogador de pura habilidade, bastante ofensivo e que procura sempre dominar seus oponentes.
Kageyama, o Rei, como é chamado em tom pejorativo por aqueles ao seu redor antes do Karasuno, é um levantador excepcional, com uma noção de jogo afiada, e visão de quadra elevada, também como Peco, é uma criança prodígio de seu esporte, joga de forma a elevar o potencial do seu time, já que joga na função mais importante.
A forma como cada um desses dois lida com o talento é bem diferente no entanto, o Peco trata o seu talento como a forma mais divertida de jogar tênis de mesa, mesmo com ambições grandes, de ser campeão do mundo, ele não vê as coisas de forma séria, com uma atitude bem leve e irreverente, mesmo depois de ter aprendido bastante e evoluído como jogador.
Já o Kageyama vê seu talento como uma obrigação de ser bom, e de vencer, odeia perder mais que tudo, e por essa atitude seus antigos companheiros de time o julgavam arrogante e rígido demais.
O talento sempre é abordado como um dom divino que só os escolhidos recebem, e isso é mostrado pelo contraste com os personagens sem talento, a forma como eles estão muito distantes daqueles que recebem o “direito divino de governar”.
Esforço: A caminhada de Sísifo
Não seria um texto meu sem um pouco de filosofia, então aqui vai uma explicação rápida:
Sísifo, é um personagem da mitologia grega, popularizado pelo filósofo Albert Camus no seu livro “O mito de Sísifo”, na mitologia grega, Sísifo era um rei bastante astuto, que achava que podia enganar até os deuses, e por sua insolência, foi condenado a carregar uma pedra montanha acima, somente para que quando terminasse, a pedra rolasse de volta, e que continuasse eternamente nesse ciclo.
Assim como Sísifo, os dois personagens que representam o esforço nos respectivos animes, se vêem impotentes perante o direito divino, e mesmo com todo o seu esforço, que é ainda maior que o dos outros, não conseguem superar a barreira do talento e isso os frustra bastante.
Sakuma é um jogador bastante esforçado, que é reconhecido por sua paixão pelo esporte, sempre lendo sobre tênis de mesa, trabalhando mais duro que todos em seu time, mas a falta de talento sempre o perseguiu, sempre teve Peco como seu herói de infância, pois cresceram juntos jogando tênis de mesa, mas eventualmente desiste do esporte.
Oikawa é um jogador um pouco diferente de Sakuma, ele possui sim algum talento, mas não chega aos pés de Kageyama na habilidade natural, Oikawa tenta compensar ess lacuna com experiência e esforço, sempre estudando o esporte em seu alto nível, mas no fim de tudo, Kageyama o supera.
O esforço é mostrado com certo romantismo, elevando os personagens esforçados, como uma espécie de prêmio de consolação, uma espécie de “parabéns, você tentou, mas não foi o bastante” .
Talento sem ambição: Gênios desinteressados
Há também outra abordagem relacionada com o talento, e que é bem comum nos esportes, a de quem tem talento, mas não tem ambição de vencer e de almejar grandes feitos numa carreira esportiva, e esse é o caso do Smile, e do Tendou.
Smile é um gênio legítimo do tênis de mesa, com um estilo de jogo praticamente robótico, que consegue analisar perfeitamente as fraquezas do adversário, e executar jogadas com perfeição técnica.
Tendou é um gênio dos bloqueios, com um instinto apuradíssimo, sendo apelidado de “Guess Monster” (o monstro da adivinhação) por conseguir adivinhar onde iam atacar e executar bloqueios que esmagam o espírito dos seus oponentes.
Ambos vêem seus esportes como uma diversão, uma maneira de passar o tempo, e não como algo que devotariam suas vidas, e apesar de serem muito bons, sabem que não conseguiriam levar uma vida pautada apenas no esporte, como diria Jou Koizumi, o “Butterfly Joe” de Ping Pong the Animation: “Não é algo incomum, pessoas talentosas que sabem quem são não procuram nada, são sempre aqueles que não se conhecem que procuram a vitória, porque eles tem algo a provar”.
Talento e Esforço: Os fundamentos de qualquer grande atleta
A combinação desses dois fatores é o que faz qualquer grande atleta, e é justamente quando Kageyama e Peco entendem a necessidade de horas de prática e experiência para suas carreiras, é que começam a evoluir como atletas de verdade.
A culminação da experiência e das horas praticadas é o que torna potencial em resultados de verdade, e vemos em Ping Pong the Animation, em que Peco se torna um dos melhores jogadores do mundo no esporte, capitão do time olímpico, e que ainda não vimos no anime de Haikyuu.
Nenhum dessas duas coisas isoladas faz um grande atleta, mas é inegável que é mais fácil se esforçar do que ter talento.
Duas abordagens diferentes: Real e romântica
Haikyuu e Ping Pong tem duas maneiras diferentes de abordar essa dicotomia, até mesmo pela demográfica destinada das obras, Haikyuu sendo shonen (destinado para jovens e adolescentes) e Ping Pong sendo seinen (destinado para adultos), e eu gostaria de frisar algumas diferenças dessas duas obras.
Na frase acima, dita pela gentil senhora aposentada do esporte, “ ‘Vencedores escrevem a história, e os perdedores são história’ … Eu já vi essa mentalidade acabar com muita gente.”, é justamente a forma realista de Ping Pong de representar a frustração que vem dessa dicotomia, que a mentalidade de vencedor e a pressão de ser bom e vencer acaba com muitas pessoas, e gera muitos sonhos frustrados no caminho, e o anime faz questão de mostrar isso, através da própria Obaba, do Koizumi e do Kazama Ryuu, o núcleo de terceira idade do anime.
Já a frase do Oikawa: “Hoje talvez seja a chance de agarrar a possibilidade de deixar seu talento florescer, ou talvez amanhã, o dia seguinte, o próximo ano, ou talvez quando você tiver 30. Não tenho certeza se o físico tem algo a ver, mas se você pensar que nunca vai chegar, provável que nunca chegue”. É uma frase muito mais cheia de esperança, que incentiva as pessoas a acreditarem em si e perseguir seus sonhos.
Ping Pong possui uma abordagem muito mais crua, que mostra que o seu sonho nem sempre pode ser alcançado, e que não estamos no controle total de nossas vidas, e que é possível viver após desistir de um sonho.
Já Haikyuu é cheio do espírito jovem, e da motivação para enfrentar o mundo afim de conquistar aquilo que se sonha.
Duas formas de se ver que são necessárias na vida, em certos momentos diferentes, é preciso coragem para perseguir aquilo que se acredita, e mais coragem ainda para admitir que talvez não seja o melhor.
Anyway, era isso, espero que tenham gostado, recomendo Ping Pong the Animation e Haikyuu, são excelentes animes/mangás, e que superam as expectativas.
Se teve a paciência de ler até aqui, espero que tenha gostado.
Um abraço!